“Não sou contra que façam essa apresentação, mas receber dinheiro público para fazer um videoclipe com pênis de borracha é adequado?”, disparou o vereador João Bettega (União), nesta terça-feira, durante a discussão de um requerimento de sua autoria na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). Alegando ter sido coincidência a votação acontecer justamente no 1º de abril, popularmente chamado de Dia da Mentira, Bettega levou ao plenário um voto de congratulações e aplausos ao Governo do Paraná pelo financiamento do videoclipe Lesbikas, da banda Horrorosas Desprezíveis.
“Já que quando eu denuncio o investimento errado na área cultural eu sou vítima de perseguição e de processo, já querem cassar meu mandato, até por crime de transfobia, e olha que eu nem falo da sexualidade da pessoa, então quero reproduzir para vocês, no dia 1º de abril, um voto de aplausos, à Secretaria Estadual de Cultura, pelo clipe que foi bancado pelo Governo [do Paraná]. Não vou colocar em xeque a sexualidade da pessoa, mas acredito que não podemos tolerar coisas com esse teor sexual sendo financiadas [com dinheiro público]”, justificou o parlamentar.
O requerimento de Bettega foi rejeitado pelo plenário, por 16 a 5 votos, após 90 minutos de debate na Câmara de Curitiba (077.00172.2025). O próprio vereador pediu a derrubada da proposta, admitindo usar de ironia para discutir o financiamento de projetos culturais pelo Poder Público. Ainda que tenha obtido elogios dos vereadores Eder Borges (PL) e Bruno Secco (PMB) pela estratégia inusitada, Bettega recebeu críticas em plenário pela condução do debate de oito vereadores, de diferentes orientações ideológicas, da base, independentes e da oposição.
Confusão, desrespeito, obra de arte: “falso” voto de aplausos divide vereadores
“Eu fiquei confuso aqui no voto”, reconheceu Pier Petruzziello (PP), “porque pode transparecer que [de uma forma ou de outra] estamos votando contra o Governo do Paraná”. “Vai parecer uma coisa que não é”, disse o vereador, que pediu a Bettega para retirar o requerimento de aplausos da votação, mas teve a solicitação recusada pelo autor. Na mesma medida, o plenário se recusou a atender a requisição de votação nominal formulada por Bettega, mantendo o voto simbólico, que precisou ser aferido mais de uma vez pelo presidente da sessão naquele momento, Nori Seto (PP). “Se nós temos dúvidas, imagina a população”, resumiu Marcos Vieira (PDT).
“Estamos gastando muito tempo com algo que poderia ter sido resolvido muito mais rápido. Todo mundo critica [os requerimentos ideologizados], mas ficam encaminhando, debatendo. Lógico que fiscalização do dinheiro público é importante e o meu mandato faz isso, inclusive levantamos o valor de cada hora que ficamos aqui debatendo em plenário”, pontuou Indiara Barbosa (Novo). Durante sua fala, João Bettega sugeriu que os parlamentares de Curitiba não dão atenção suficiente à fiscalização dos gastos públicos.
“A Câmara de Curitiba não é a sala de vocês, as redes sociais de vocês, isso é um profundo desrespeito à população. Façam seu trabalho de forma séria e respeitosa. Esse método de vocês é um desrespeito com a população de Curitiba”, acusou Laís Leão (PDT), que já tinha feito a mesma acusação a Eder Borges, semanas atrás, quando o parlamentar fez uma moção de apoio a sua própria sugestão ao Executivo para poder debatê-la na segunda parte da Ordem do Dia. “Não é por ser 1º de abril que não temos que fazer um trabalho sério. A atividade da Câmara fica parecendo uma piada, será que ela é uma piada para alguns vereadores?”, criticou.
“Se o senhor está tão preocupado com o gasto do dinheiro público, eu também estou”, rebateu Camilla Gonda, do PSB. “[Essa votação] é uma piada para a população, que está pagando o salário do senhor. Isso é inadmissível. O plenário é local de discutir ações concretas e concisas, com melhora significativa para a população. Se está realmente preocupado [com o dinheiro público], comece pelas suas ações. Fiscalize o seu próprio mandato, porque fez a gente perder 40, 50 minutos”, continuou a vereadora.
A vereadora Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) disse estar impressionada com a faceta de “crítico de arte” do vereador João Bettega e chamou de “palhaçada” a situação causada no plenário. “Enquanto a cidade enfrenta problemas sérios, como falta de vagas em creches, transporte precário, enchentes, crise na Saúde e despejos forçados, o vereador resolve usar o seu mandato para emitir juízos sobre um videoclipe independente. Não estamos aqui para fiscalizar a Prefeitura, mas para discutir qual figurino pode ou não pode [no videoclipe]”, disse a parlamentar.
“Os vereadores deveriam fiscalizar o orçamento, não a vida das artistas. Elas não vão deixar de fazer arte porque meia dúzia de conservadores machistas vêm atacar a cultura e as lésbicas”, acrescentou Vanda de Assis (PT). “Eu votei ‘sim’ ao requerimento, porque o Governo do Paraná tem que ser parabenizado. Falamos tanto em liberdade e a Cultura, nessa questão da liberdade, quem tem que fazer o julgamento é a sociedade, não é o secretário [de Cultura], nem o vereador. A justificativa [do autor] tem mais a ver com censura do que com liberdade”, opinou Angelo Vanhoni (PT).
Dentre quem apoiou Bettega, Bruno Secco optou por defender o governo estadual da polêmica implícita no requerimento. “[O financiamento do videoclipe] não passou pelo crivo do governador Ratinho Júnior, senão o veto era certo. Ele vetaria essa porcaria. [O requerimento] é uma crítica ácida e pertinente. Coloca o sinal amarelo na Secretaria da Cultura, precisa ter curadoria ali para separar o que é arte do que é lixo. Um vídeo com pênis de borracha é lixo. É lacração e militância”, registrou.
Para Eder Borges, tudo não passou de um “requerimento espirituoso”, que “é sério, faz uma crítica”. “É um requerimento que acaba sendo arte, porque chama atenção para um fato que devemos questionar”, disse o parlamentar. “Eu já tive muitas bandas. O legal do ser alternativo é ser independente, da gravadora, do mercado fonográfico e do Estado. Isto [o videoclipe das Horrorosas Desprezíveis] é punk de boutique. É alternativo, mas que mama na teta do Estado”, finalizou. A íntegra do debate está disponível no canal da CMC no YouTube.